No início do século XIX, no momento em que se afirma profunda originalidade Do “segundo estilo” de Beethoven, a Europa intelectual, inflamada pela ideia de progresso já sentiu as primeiras febres românticas quando, em 1804, ano em que Napoleão se torna Imperador, Beethoven apresenta sua terceira Sinfonia aos vienenses embasbacados, os primeiros românticos estão na força da idade.
A subversão da sociedade correspondem uma nova sensibilidade e uma concepção Renovada da arte. Como madame de Stael mostrou também, o mundo não pode mudar sem que a literatura mude; esta deve formar suas leis segundo as condições da vida social abandonar os temas de inspiração mitológica herdados do classicismo pintar os “movimentos da alma”, cujo conhecimento aprofundado é uma aquisição recente… os românticos reivindicam o Strm und Drag e Shakespeare, Redescobrem as lendas medievais; substituem o culto da antiguidade pelo da civilização cristã fonte inesgotável de inspiração; “sensibilidade torna-se um tema preponderante em que o poderoso não se distingue do fraco, pois Ambos são sujeitos à melancolia ao entusiasmo ao sentimentalismo idílico…Cada um de nós sente o que constitui a originalidade do século XIX: o progresso e o mal do século, as monarquias liberais e as repúblicas autoritárias, o nacionalismo e o internacionalismo, o individualismo e o sentimento da natureza o sonho e a revolta… Mas a definição do Romantismo parece impossível.
Stendhal vê No romantismo apenas uma atitude moderna que ele não define: “o romanticismo é a arte de apresentar aos povos as obras literárias que, no estado atual de seus costumes e de suas crenças são capazes de lhe proporcionar o maior prazer possível; o classicismo, ao contrário, apresenta-lhe a literatura que proporcionava o maior prazer possível a seus avós” (Racine e Shakespeare, 1822). Vários outros autores sugerem que o romantismo seria, em cada época, a atitude artística mais significativa de um espírito novo. Para Hugo, é “o liberalismo em Literatura”, definição interessante na véspera da revolução de julho. Quase todos estão de acordo quanto a subjetividade do Romantismo cada um encontra seus modelos em si mesmo mas essa introspecção permitirá que o artista descubra e exprima a alma de todos os homens: “a. De exclamação, insensato, que crês que eu não sou tu!” (Hugo, prefácio das contemplações, 1856).
Na Alemanha, o substantivo die Romantik Designa, desde o fim do século 18, uma nova tendência literária oposta ao classicismo. Mas, na França já se confunde romântico e romanesco, que é pitoresco. A acepção da palavra sempre permanecerá bastante vaga. Parece sobretudo que, na ausência de uma doutrina coerente, dotada de bases intelectuais e sociológicas sólidas, o romantismo se tornou uma maneira de ser, uma moda: ele se entusiasma por novos objetos, mas não propõe novas leis estéticas. Revolta-se contra o “gosto” clássico, mas sem substituir as regras herdadas do classicismo. Desse modo, não se produz uma revolução estética, uma verdadeira ruptura; simplesmente, o mundo fechado do classicismo abre-se enfim as realidades exteriores. Os exemplos não vem mais dos antigos, mas de Rousseau, Jean Paul, Schiller… E Shakespare!
O espírito romântico afeta a literatura antes de afetar a filosofia. Aliás, ele se dissolve quando a razão se imiscui: é um problema de poetas. Mas os compositores nele descobrem um ideal em que se reconhecem e sua música é julgada romântica seja por um aspecto “literário” estranho a sua essência, seja pelo desprezo As convenções que caracterizam o século 19. Em todas as artes, o romantismo derrubou a tirania do Gosto.
Se bem não se tenha encontrado de imediato ninguém para empunhar a bandeira beethoviana o brilho desta acabou por iluminar todo o século. a relativa independência do compositor, livre da obrigação de escrever por encomenda, deixa-lhe a liberdade de escrever o que lhe apraz e apresentar sua música onde bem entende. a partir de Napoleão, Os Príncipes não tem mais influência sobre a criação artística . e, a indústria ainda não tem; o século XIX está preservado dos totalitarismos estéticos nunca o compositor foi nem será tão livre . de exclamação ele se aproveita disso para abalar , ao sabor da sua inspiração, o formalismo de uma sociedade caduca; mas, não possuindo doutrina (pelo menos até o último quartel do século), não pensa em substituir as regras fundamentais do sistema tonal e sequer se Interroga sobre a sua legitimidade. O que há em comum entre Schubert e Berlioz, ou entre Schumann e Wagner, salvo o desprezo pelas convenções formais, no respeito das regras fundamentais? Se bem que Wagner, a partir de Tristão…Mas não Antecipamos. Mozart, ao contrário, submetia-se a todas as Convenções, apesar da espontaneidade de seu lirismo.
O aspecto literário do Romantismo na música é a consequência do velho mal entendido. no século XVII a ópera Nascente fazia da representação das paixões o objeto da música: a expressão tornava-se uma verdadeira obsessão até na música instrumental. O Período Clássico reagiu a essa deformação: a música tornou-se Soberana. Hayden e Mozart nunca se esforçaram em exprimir “paixões exteriores a sua inspiração puramente musical. O romantismo torna a empunhar a bandeira da expressão. A alma é o objeto que se deve retratar, que a música tem por função essencial expressar. Acreditando, ou fingindo acreditar na significação da música, pretense até oferecer ao ouvinte o relato de uma ação ou a descrição da natureza em composições instrumentais ditas programáticas”. Ou individualismo romântico incitará frequentemente o músico a pintar suas próprias experiências o mal entendido é ainda mais grave na expressão subjetiva, Pois é deixando o instinto musical agir, aceitando suas sugestões e compondo as com habilidade que o músico se exprime da maneira mais autêntica
A expressão febril dos sentimentos individuais comporta, por sinal, uma parte de mistificação. A lentidão do ato de composição musical, no estágio de desenvolvimento que essa arte alcançará então, não permite que o criador siga seu sonho ou sua paixão, desprezando as exigências da Razão. Vivaldi podia escrever de um jato, sob o império de uma inspiração tumultuosa. Berlioz, ao contrário, deve estabelecer suas grandes partituras com minucioso cuidado. Se compararmos o grafismo dos dois manuscritos, o primeiro é que parecerá romântico.
No entanto, o romantismo consagrou-se ao culto da personalidade. A despeito do seu gênio, as personalidades de Bach e Mozart são apagadas. As de Beethoven, Berlioz, Liszt e Wagner são esmagadoras. Com frequência o gênio sobe-lhes a cabeça e eles se instalam na história como que em casa, com suas ideias, seus gostos, seu sentimentos, seus amores. Alguns souberam organizar perfeitamente suas “relações públicas” (Paganini, Berlioz, Liszt, Wagner), Criando festivais ou sociedades filarmônicas executando suas obras por toda parte, escrevendo a toda a Europa, relatando seus feitos e seus gostos em releases para a imprensa. As pessoas se interessam demais pela vida dos gêmeos românticos e acabam tendo uma falsa ideia de sua personalidade, através das “vidas romanceadas” e das autobiografias lisonjeiras. A percepção Sua Música fica deformada com isso, sobretudo quando são acrescentados as suas obras subtítulos, argumentos literários e elocubrações fantasistas.
Contudo, muitos músicos românticos evitaram essa espécie de exibição ou de promoção barulhenta; alguns desinteressaram-se dos argumentos literários, que se tornaram a mania da época. Parece que resta um só traço comum a todos os gêneros musicais desse século: o individualismo Cada um faz sua própria música, sem se preocupar com as Convenções. Em geral, seus Mestres foram músicos menores e eles próprios não formam alunos (ou formam alunos pouco importantes). Sua originalidade reside na autonomia de seu gênio.
Música e Sociedade
Assim, o concerto perde seu caráter experimental. Ele se aproxima muito mais do Museu do que do atelier. O público ainda conserva sua curiosidade pela nova música, mas são tocadas indefinidamente as páginas célebres de ontem e de outrora, no decorrer de programas intermináveis: sinfonias ou fragmentos de sinfonias, áreas de óperas, concertos, fragmentos de oratórios, paráfrase de determinada parte do programa pelo virtuosa de plantão, etc mas não se vai além do século 18, apesar dos trabalhos dos primeiros musicólogos e da admiração convencional pela Renascença, cuja música não se conhece. Os maiores sucessos cabem a música italiana na Itália, a música alemana Alemanha, a música vocal italiana e a música instrumental alemã na França. Todavia, uma parte do público acha a música clássica difícil, devido a seu formalismo. A música romântica parece mais fácil, por pretender retratar sentimentos familiares.
A própria profissão de músico mudou consideravelmente. Entregue a si mesmo, não trabalhando mais contra remuneração, o compositor terá dificuldades para organizar sua nova situação. As leis sobre a propriedade literária e artística, que são promulgadas por toda parte desde o fim do século 18, estabelecem a legitimidade do direito autoral, mas sem dar ao criador os meios práticos de defendê-lo. Ele tem que fazer das tripas coração para garantir sua subsistência. O compositor organiza concertos em seu benefício, exerce uma profissão anexa (crítico, maestro, professor), Ou vive a custa de uma senhora rica, a menos que disponha de uma fortuna pessoal. A nova situação, mal assumida, tende a isolar da sociedade os que não encontram uma organização material satisfatória. Outra dificuldade, inerente ao Ofício, confirma esse isolamento. O compositor não escreve mais para um auditório limitado a uma classe homogênea, mas para um grande público indeterminado, formado por uma constelação de individualidades. A função da música não é mais social, e sim cultural não sabendo mais para quem nem porque cria, o compositor encontra em si mesmo o motor da sua inspiração.
Logo uma nova elite, Burguesa ou aristocrática, cria uma demanda determinada que os artistas têm interesse em satisfazer: peças para piano, melodias, música de câmara. Os virtuosos amadores multiplicaram-se desde a revolução. A elite gostaria de cercar-se de músicos. Fingirá imitá-los. Mas eles não serão integrados e a incompreensão será por muito tempo o preço da Liberdade. Isolado do público pela Incerteza de suas reações, isolado dos salões pela discriminação social, o artista se torna egocêntrico e a social – ele nem sequer sabe o que é.